E é tudo o que vou dizer sobre mortes na auto-estrada

                                                                                                             Elle Fanning

Não gosto de escrever sobre a vida dos outros, sobretudo quando não os conheço de lado nenhum. Muito menos de fazer suposições sobre carácter, responsabilidade e personalidade, só porque aparecem nas revistas e jornais a falar da cor preferida e dos projectos para vida. Isso pouco ou nada me diz sobre elas, por isso, regra geral, não opino. Não sei se é verde, azul ou laranja para as pessoas que me rodeiam e, pasmem, isso não me impede de as conhecer muito melhor. Porque sei das suas atitudes e vivo com os seus comportamentos; sei das expressões, do que as irrita e dos pequenos momentos que as torna felizes. Por outro lado, nada sei nada sobre as vedetas (questionáveis ou não) das televisões e cantorias deste e de outros países. É por isso que me vou abstendo de comentar, ciente de que tudo o que de real pode existir na pessoa ou situação, não caberá a mim identificar, até porque, nunca tendo convivido com ele tendo convivido, não saberia como. Uma revista não chega para conhecer, tal como não chegará para adiantar pormenores sobre um fim.

Se ia ou não com cinto, com certeza os interessados irão saber. Isso não devolve nada, nem ninguém. Diminuir, acusar e achincalhar comportamentos em praça pública, sem alguma vez ter conhecido, é coisa que me irrita profundamente, não só porque me parece de quem não tem nada mais do que fazer, como geralmente traz consigo alguma maldade, daquela dos filmes, de quem é mau só por ser, e ainda se ri disso.

Ao fim de uma semana de mais do mesmo, de ângulos infinitos explorados, dou por mim a aceder ao facebook e a procurar por um nome que nunca em vida me pertenceu. E deu-me vontade de chorar. Não por ele, que podia ser a melhor pessoa do mundo, mas não me diz nada. Fiquei com os olhos molhados porque as pessoas discutiam, num dos espaços que mais devia ser respeitado e imaculado, o que aconteceu, como aconteceu, e o que pensam sobre isso. Há insultos frequentes, piadas de mau gosto e centenas, e centenas de pessoas que deixam mensagens sem qualquer tipo de nexo. E eu fico a pensar no que aquilo significará para quem de facto o conhece: família, amigos, amores. Não sei como suportaria ver a morte de alguém que me fosse querido ser discutida como se de um pacote de batatas se tratasse. É que, por muito que pudesse ser uma figura pública, continuaria a não ser banal para mim, e não saberia como lidar com a banalização dos outros.

Já fiz uma viagem na A1, de madrugada. Ia eu, com ela, ambas com muito sono. Enchemo-nos de redbull, aumentámos o som da rádio e esforçámo-nos por manter conversa. Nunca adormeço quando estou só com outra pessoa no carro. Se me perguntarem, nem sei sequer precisar o momento em que senti o sono vir e me deixei fechar os olhos. Sei que acordei, não fazendo a mais pequena ideia de quanto tempo passou, e a vi de olhos fechados ao volante. Ou foi ela a acordar e a perceber que estava a dormir. Não consigo precisar, porque estava mais cansada do que alguma vez julgaria. Se podíamos ter tido um acidente gravíssimo? Provavelmente, sim. Se fomos irresponsáveis, se podíamos ter batido contra um carro que iria tranquilo, no seu caminho, e prejudicado alguém completamente inocente para toda uma vida? Também podia ter acontecido. Não aconteceu, apenas por uma questão de sorte. Não nos deixámos mais adormecer até chegar ao destino, de tão assustadas que ficámos.

Nunca conduzi alcoolizada. Depois disto, tento também não o fazer com sono -  o que nem sempre é fácil para quem trabalha e estuda. Mas já passei, por mais do que uma vez, os 120 km/h. É normal que se o faça, sobretudo quando os carros permitem. Raramente nos sentimos em perigo por isso, e quase sempre achamos que sabemos o que estamos a fazer. Também já enviei mensagens e já falei ao telemóvel com a outra mão no volante. Se tudo isto é aceitável? Bem, não é permitido por lei, há-de querer dizer algo. Mas também não significa que as pessoas são monstros irresponsáveis e inconsequentes que se acham invencíveis. Apenas que são pessoas. Por isso, e não por uma apologia a qualquer um destes comportamentos, enerva-me, de uma forma que nem consigo explicar, que se aponte o dedo a alguém que só foi uma pessoa.

P.S. Também é muito raro usar cinto quando vou atrás no carro. Tenho dois irmãos e andar atrás significa, quase sempre, que estou com a família. É apertado, desconfortável e não apetece. É claro que nos próximos tempos vou pensar duas vezes antes de não o fazer, mas seria hipócrita da minha parte vir dizer que hoje em dia é inacreditável encontrar quem não o faça.  
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