Pelo meu lugar ao sol

                                                                                Katie Holmes
Nos altifalantes: Deolinda – Parva Que Sou (obrigatório)

Dizem que arriscar em contexto de crise é coisa de gente maluca. Que a estabilidade é o que mais se pode desejar num emprego. Que quando há contratos sem termo o melhor é deixarmo-nos estar, agradecermos aos céus por nos pagarem mal ao fim do mês e ir felizes para casa porque "já há tanta gente nas ruas da amargura que não sabemos a sorte que temos". E que devo ouvir de quem sabe, de quem está nisto há mais tempo; que trabalho bom é aquele que é para toda uma vida. De vez em quando, ouço coisas destas.

Pois bem, nunca conheci outro contexto que não este. Entrei no mercado de trabalho quando já diziam que tinha escolhido a profissão errada, quando a comunicação “já não dava nada”. Comecei de pé direito nos primeiros estágios, e cansei as solas de um lado para o outro, que dinheiro para o combustível era pouco e patrocinado pelos pais. Já recebi 150 euros por mês para “ajudas de custos”, já trabalhei sem receber. Mas nunca agradeci. Tirei o maior proveito que consegui, fiz e aprendi o máximo que pude, levei trabalho para casa, passei noites sem dormir e andei com ar de múmia durante demasiado tempo. Estou grata pelas pessoas que me acompanharam, orientaram e ensinaram nesses momentos, pela confiança que depositaram em mim, pela liberdade que me deram. Mas não pelos moldes nos quais tudo se desenrolou, não por pagar para ir trabalhar e fazê-lo à conta de muita paz de espírito e do descanso necessário para nos mantermos sãos e saudáveis. “É a vida”, mas não é vida para se agradecer. Fazê-lo, só quando for a vida que pedimos, quando for a vida que merecemos. E achar que investir na nossa educação, criar projectos na nossa cabeça, definir objectivos e ter sonhos é coisa que se enquadre num louvar de maus salários e oportunidades diminutas, é dizer que não a tudo isso, é admitir que afinal, talvez, não mereçamos mesmo, porque não estamos dispostos a lutar por isso. E aí, o problema passa a ser nosso, e não da crise.

Não seria capaz de trabalhar para uma mesma empresa toda uma vida. Não seria capaz de exercer as mesmas funções sempre, e para sempre. Mas isso sou eu, que ainda sou irrequieta e não tenho feitio para ficar parada. Isso sou eu, que estou no primeiro ano do Mestrado e já tenho uma pós-graduação na mira para fazer a seguir. Sou eu, que acabei de me despedir e aceitar um novo emprego, mas já estou a pensar num prazo de 2 a 3 anos para me fazer à estrada e ir passar uma temporada ao continente americano. E também estou em crise, também tenho a carteira vazia, e também pago todos os sonhos com os ordenados que vou recebendo e subindo, pouco a pouco.

Feitio é coisa que não se compara, não se mede e não se define como melhor ou pior. Porém, dele deriva a atitude e essa é a parte que nos distingue e caracteriza. Sobretudo quando não a temos, para nada.
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