Fio em forma de mocho e sabrinas douradas


Eu já devia ter aprendido a carregar o telemóvel assim que o saldo ficasse em baixo. Eu já devia saber que depois de receber a mensagem da vodafone a avisar-me que só tenho cinco dias para continuar a realizar comunicações, a minha obrigação seria a de correr para o multibanco mais próximo e efectuar "Pagamento de outros serviços". Mais do que tudo isso, já tenho idade para ter aprendido que andar por aí de sabrinas subtrai pelo menos cinco anos ao meu B.I.. Mas não. Não ligo a nada destas coisas, e depois o desastre é o do costume.

Estava eu no quentinho, com um daqueles pijamas que a Primark vende e que nos fazem sentir uma bola de pêlo gigante (aqueles que começam nos pés e só acabam no pescoço, babygrows para adultos, sabem?), quando me ligam de um número desconhecido a combinar um café. O típico amigo, do amigo, do amigo, que sabe até onde eu vivo, mas que eu não conheço de lado nenhum, de quem eu não nada sei, mas que precisa de um favor. E lá se enfia Miss Cherry no banho, debaixo de um chuveiro que decidiu abandonar a água quente no duche anterior, do irmão, que durou uns valentes 40 minutos. Visto-me, seco o cabelo e saio de casa. Arrasto o irmão que estava lavadinho e sempre faz companhia. Lá chegados nos sentamos numa mesa da esplanada, fria, impessoal e sob um céu que se prepara para escurecer. O amigo, do amigo, do amigo chega acompanhado da namorada. Manda mensagem a avisar que já lá está. E aí faz-se luz: não tenho saldo para responder. Olho em volta. Há um casal suspeito à entrada. Não se sentaram, não andaram para lado nenhum, estão só à porta de um café, a conversar. Olham para nós. Fixo o olhar nele, em busca de alguma pista. Vira a cara. Estou a fazer figura de estúpida e a perseguir duas pessoas que provavelmente estão à espera de amigos.

Liga-me, liga-me, liga-me. Por favor, por favor, por favor. Ou envia mensagem! Isso, envia outra mensagem só para que saiba quem és. Vá láaaa.

Nada. Eis que me levanto e me dirijo ao casal.

Desculpa, és o R.?
Sim, sou.
Olá!
Ah, olá! Já estou aqui há imenso tempo.
Desculpa, fiquei sem saldo no telemóvel e não tinha como responder-te.
Bem, então podias ter-te levantado e ter-me vindo perguntar se era eu.
(Engraçado, estive quase para lhe responder o mesmo).
Pois, vamos entrar.
É que sabes, eu até olhei para a tua mesa, mas vi primeiro o miúdo. Olhei para ti e pareceu-me que tinhas a mesma idade, nem sequer considerei. Tens vinte e quantos? Não te dava mais do que 15.

E é assim. Aprendam comigo: encontros às cegas nunca dão bom resultado, nunca.
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