"Deixe-me lá dormir"

Não gosto de acordar cedo. Nem sequer sou produtiva logo pela manhã. É simplesmente um desperdício fazerem-me sair da cama antes das 10h - altura do dia que já considero ser razoável para me fazer à vida. Mas está claro que a entidade patronal não pensa da mesma forma. Já na primária, liceu e faculdade se recusaram a partilhar da minha mentalidade. Tudo bem, uma pessoa aceita. Só não se habitua.

Nos últimos dias tem-me custado particularmente sair debaixo dos cobertores. Muito, muito, muito. Faço um esforço enorme para me arrastar até à casa-de-banho e lavar a cara com água gelada, geladinha. No Inverno faz frio. Muito, muito, muito. E tudo bem, uma pessoa aceita. Só não se habitua. Ao fim de toda uma rotina feita mode zombie on, lá saio eu de casa e corro para o carro, para não congelar. Depois passo os próximos 20 minutos no trânsito, a tentar manter os olhos abertos com música alta. A esta altura já se aperceberam do quão difícil é a minha vida matinal. Mas, porque sou amiga, e não gosto de grandes segredos, posso garantir-vos que ela ainda consegue ficar pior.

Hoje entrei no metro e consegui logo um lugar sentada à janela. (Wow!) Sem quaisquer problemas, apoiei a cabeça lateralmente e lá fechei eu os olhinhos, feliz da vida. A minha viagem subterrânea diária é de cerca de 17 minutos e só termina no fim da linha. Faltavam cerca de 3 estações para sair, quando, vinda do nada, com uma voz rouca, semi-aguda e, suspeito, um rebuçado de mentol na boca, uma senhora se aproxima de mim (mais do que eu gostaria), e me sussurra, assustadoramente: "Menina, oh menina". Acordei de um sobressalto, como já é costume quando alguém me faz algo do género (não, não é a primeira vez que me acordam assim) e olhei aturdida para a senhora. "Diga", respondi gentilmente (o mais que consegui, dadas as circunstâncias). "Vai sair aqui?". "Não, não vou". "Ah, está bem, era só para avisar".

Escusado será dizer que desperdicei três estações de sono de beleza. Não consegui voltar a adormecer e ainda fiquei com o perfume forte - demais - da senhora a pairar no ar e a fazer-me espirrar. Tudo bem, uma pessoa aceita. Só não se habitua. Compreendo as boas intenções mas não posso deixar de fazer o apelo:


Senhora estranha, com o carrapito desengonçado, voz esquisita e mala verde, para a próxima deixe-me estar, que eu estou bem.

Proponho que se institua um sistema: a partir de hoje, ninguém acorda ninguém nos transportes públicos. E pensando em todas as almas que se perdem no mundo do sono e acordam já longe da paragem de destino, sugiro que coloquem alarme no telemóvel assim que entram no dito cujo (metro, comboio, autocarro, etc).

Atenção: É favor não adormecer nos táxis porque ouvi dizer que ninguém nos acorda e o tempo contínua a contar.
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