2010 está estranho.
Eu tenho um inconsciente chamado Pires. É um tagarela, aproveita todas as ocasiões para meter conversa comigo. Na maior parte do tempo, estou demasiado cansada para lhe prestar atenção. Mas é astuto, o sacaninha. Ultimamente, voltou-lhe a mania de me acordar. É verdade, sim. Sempre que durmo, feliz da vida, aconchegada nos cobertores, numa paz de alma que só visto, lá vem ele com coisas.
"Olha que te esqueceste de ler o documento tal durante o dia".
"Acorda imediatamente para ires tomar o comprimido, vão passar 12 horas".
"Vê lá se puseste o passe dentro da carteira, acho que ficou pela sala".
"Se não conseguiste imprimir o regulamento, durante todo o fim-de-semana, porque o adobe está marado, tenta com o foxit"
"Levaste as leggins para a loja para experimentar com o vestido. O que não te lembras é que quando devolveste o vestido, à entrada dos provadores, devolveste também as leggins".
And so on.
É isto constantemente. E sou eu: "Oh Pires, deixa-me lá dormir". E é ele: "Eu não sou a senhora do metro, eu cá acordo-te quando quiser". E acorda. Sempre. Sejam duas, três, quatro, cinco, seis da manhã. Acorda-me. Levanto-me e faço o que falta, ou escrevo num post-it - estrategicamente guardado na gaveta da cómoda ao lado da cama-, para fazer no dia seguinte. Já não me espanta. O que me surpreende, desde o início de 2010, é o descontrolo total do Pires e a frequência com que passou a massacrar-me: praticamente todas as noites. Já lhe disse para ir pregar para outra freguesia, mas no fundo sei que preciso dele por perto. Desde que me lembro que almejo por alguém que o distraia, uma companheira, assim com algum humor e uma boa dose de paciência. Ora, qual não é o meu espanto, quando, num jantar em que se trocaram prendas de natal atrasadas, a S. me diz:
"Esta noite sonhei com o A. Vê lá isto! Não sei nada dele há tanto tempo. Nem me lembro quando pensei no homem pela última vez. Achei tão estranho que no dia seguinte fui ao hi5 dele ver se havia novidades. E não é que ele fazia anos! Mais ainda: lembra-te lá quando é que nos envolvemos. (...) Pois, exactamente, foi no dia de anos dele há uns anos atrás. Agora diz-me se isto não é estranho."
Não é preciso dizer que fiquei radiante. Deixei de ouvir o Pires no exacto momento em que a S. terminou de falar. Tenho cá para mim que ficou à conversa com o inconsciente dela, a Matilde, durante o máximo de tempo que pôde e depois, à noite e já em casa, dormimos que nem uma pedra; ele e eu. No dia seguinte, chego ao trabalho, radiante e com bom aspecto, e apercebo-me da existência de mais um. Conta-me a A. que ultimamente são só coincidências. "Eu penso e acontece; eu procuro e aparece, não sei o que se passa". "Somos duas", respondo em surdina, num tom que faz o Pires rir. É que sabem, eu não acredito em bruxas, mas que as há....
Não é preciso dizer que fiquei radiante. Deixei de ouvir o Pires no exacto momento em que a S. terminou de falar. Tenho cá para mim que ficou à conversa com o inconsciente dela, a Matilde, durante o máximo de tempo que pôde e depois, à noite e já em casa, dormimos que nem uma pedra; ele e eu. No dia seguinte, chego ao trabalho, radiante e com bom aspecto, e apercebo-me da existência de mais um. Conta-me a A. que ultimamente são só coincidências. "Eu penso e acontece; eu procuro e aparece, não sei o que se passa". "Somos duas", respondo em surdina, num tom que faz o Pires rir. É que sabem, eu não acredito em bruxas, mas que as há....