Dizem que atraio

Estão a ver aqueles filmes em que os protagonistas trocam de corpo e vivem a vida um do outro durante um tempo? Eu gostava mesmo que pudessem estar na minha pele por um dia, assim à vez, e em vez de cinema, teatro ou outra atividade lúdica. Porque eu digo que sou azarada. E, em muita coisa, até sou. Mas o que prima na minha vida é aquele tipo de azar que dá, geralmente, azo a peripécias inesquecíveis e momentos deliciosos. Daqueles de filme mesmo. Que me fazem rir, à brava. Que me ensinaram a rir de mim, a ser mais desenrascada e a viver de forma muito mais paciente. 

É certo que nem sempre gosto de ouvir o carro riscar num poste. Ou  de entornar o almoço na mala, a caminho do emprego. Nem sempre me diverte perder duas vezes a sabrina do mesmo pé - sim, isto também me aconteceu (comprei dois pares de sabrinas iguais, e das duas vezes perdi o pé direito). Confesso, todavia, que estas coisas não me incomodam se não muito temporariamente. Por vezes, nem isso. E há alturas em que percebo, claramente, que irritam mais as pessoas que estão à minha volta e não percebem porque estou tranquila, do que os meus nervos. 

Eu sou aquele tipo de pessoa que sai à rua de ténis brancos quando está um sol radiante e, sem que nada faça prever, cai uma carga de água, põe o pé na poça, fica cheia de lama, tropeça e torce o pé, deixa cair as folhas que tem na não ao chão, vê um carro passar por cima de metade enquanto o resto voa e que retorna a casa, depois de algum tempo a tentar reunir todas, apenas para perceber que perdeu o único documento que interessava. No dia seguinte, no trabalho, continuo a ser a pessoa a quem pedem exatamente o papel desaparecido, algo de que nunca quiseram saber. E eu, já pronta para contar a verdade, sou o tipo de pessoa que se sente obrigada a inventar algo mais credível para justificar a vida. Mas não o faço, e ainda bem. Porque quem convive comigo já se habitou de tal forma a este tipo de episódios que a sua inexistência é estranha. Para eles, e para mim.

Quando digo que sou azarada, nunca o faço de forma negativa. Há sempre tendência, porém, após um primeiro desabafo com alguém de fora, para me perguntarem nos dias seguintes se "as coisas já estão bem", ou para me dizerem que "a partir de agora, já só pode melhorar". E eu sorrio. E concordo, genuinamente. O que eles não sabem é que eu não tenho qualquer receio que não melhorem. Isso acontece, sempre, mais tarde ou mais cedo. Nem preciso que elas passem, porque sei que situações destas voltam. E dão-me mais histórias para contar, mais momentos para rir e mais descargas para ter. Descargas emocionais entendam-se, que este não é um texto zen - menos ainda esta que vos escreve. Mas eu grito, esperneio e obrigo toda a gente a ouvir-me, para no fim respirar fundo e deitar-me feliz da vida, independentemente de estar há mais de 3 meses à espera que arranjem o meu carro, de ter a mão com três queimaduras enormes conseguidas com salpicos de molho ou de nem mexer o pescoço, porque ao primeiro raio de sol do ano, as minhas amígdalas inflamaram e incharam.

Grande parte do meu azar pode também chamar-se de extrema capacidade para ser desastrada e despistada. Mas isso já não interessa nada para esta história...

(Redigido a 10.04)
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