Já nem sei bem quando ouvi pela
primeira vez a história do “a tua liberdade acaba quando começa a do outro”.
Foi pelas aulas de filosofia fora, por uma licenciatura dentro, pela minha
formação e educação, ao longo de sempre. Mas vinha de antes, muito antes. E
nunca tive qualquer dificuldade em perceber o conceito. Tentei rodear-me de
pessoas que também me parecessem compreender, porque o respeito, como sempre
ouvi, “é bonito”.
Ora um dia veio o Facebook e tudo
mudou.
A ideia de que todos podemos
partilhar qualquer coisa sem qualquer pudor, ou atenção àquilo que os outros
poderão pensar, não faz qualquer sentido para mim. É claro que, se não quiser,
não vejo: bloqueio ou desamigo a pessoa, oculto os seus posts, seja o que for.
Mas não é suposto o Facebook ser uma rede social? E social – corrijam-me se
estiver errada – não pressupõe uma interação com outro ser do mesmo tipo? Como
é que isto funciona se um lado faz o que quer, e o outro corta a comunicação? Para
mim, é desconfortável na mesma exata medida que quando me obrigam a mudar para
o outro lado da rua, por alguma situação desrespeitosa.
Percebo a lógica num blogue. É um
espaço que nem sequer tem de ser necessariamente público ou aberto a muitas pessoas.
E mesmo quando o é, quem lá volta sabe ao que vai. Não é bombardeada com os
conteúdos, só porque sim. No Facebook vemos o que queremos e o que não
queremos, porque – imagine-se! – ainda por cima – e para pessoas sãs – quem
temos na nossa rede são conhecidos e amigos da dita “vida real”. Por isso fica
feio mandar a pessoa ir ver se chove. E, vá, até usamos o site para combinar jantares,
falar no chat, acompanhar quem está mais longe e partilhar ideias. Ideias que
não sejam sempre as mesmas, e sempre de cariz negativo. Com imagens chocantes.
Histórias horríveis. O dia todo. Todos os dias. Das duas uma: ou deixo de ver
bloqueando as publicações no meu feed (e o efeito da pessoa é exatamente o
contrário ao pretendido, porque agora não me alerta para isso nem para coisa
nenhuma) ou fico revoltada com o ato de publicar e não com o conteúdo da
publicação (que, sejamos honestos, vai dar à primeira hipótese na mesma).
Para isto vale tudo: crianças
desaparecidas, violadores, crianças doentes, crianças espancadas, cães desaparecidos,
cães doentes, cães espancados. Gatos na mesma situação. Focas mortas à paulada,
raposas esfoladas ou golfinhos mortos como atração. E eu bem sei que as
intenções de quem o faz são as melhores do mundo. Mas uma coisa é partilhar algo
que os choque. Ou algo que tenha acontecido a alguém próximo. Ou numa
localidade próxima. Ou que lhes tenha sido pedido para ajudar. Uma coisa são
coisas esporádicas. Outra coisa é uma atenção contínua a todas as desgraças que
acontecem no mundo.
Eu tenho uma amiga assim. Que sei
que compreende tudo o que escrevi acima. Que sabe que também compreendo as suas
motivações. E que já chegou ao fim deste texto a pensar “grr esta miúda é
maluca”. A quem, até, já disse que me incomodava diariamente chegar ao
trabalho, ligar o PC e ter as mais tristes histórias do dia à frente. Como a
ela lhe incomoda que aconteçam e que ninguém faça nada. O nosso conceito,
simplesmente, não é o mesmo. Porque fazer algo, para mim, não envolve qualquer
partilha. Ou, deixem-me ser clara: qualquer partilha já completamente
banalizada por ser de tudo. Por não querer ver imagens não significa que não
saiba que as coisas existem. Tal como por não gostar que me atormentem com
doações de dinheiro, roupas ou o que for, não significa que não doe. Da minha
vida sei eu, e nenhum apelo ideológico com base em notícias sensacionalista me
vai fazer ter outra atitude. Pelo contrário.
E eu tenho todo o respeito do
mundo por ela, que é uma amante a sério de animais. Mas custa-me, custa-me à
brava, que por não querer levar com as suas desgraças 24 horas x 7 seja
considerada menos sensível às causas ou menos preocupada com os mesmos. E é
lógico que acabo por ocultar todas as publicações dessa pessoa impedindo que
sequer me apareçam, seja sobre o que forem.
Como em tudo, o excesso tem das
suas chatices. Para mim, claro.
Posto isto, esta conversa não é toda para o mesmo ceguinho.