O dia depois de ontem

Ontem não podia comentar, não podia vir para aqui contar. Ontem, ele poderia ter lido e a surpresa deixaria de o ser. Eu sei que não é fixe gostar do Dia dos Namorados. Mas sei lá, eu gosto. Dá-me mais uma desculpa para estar com ele, que não vive ao virar da esquina. E é uma data que me traz boas recordações, daquelas que valem ouro, porque nos fazem sorrir. Da infância, dos primeiros anos da adolescência e pouco mais. Dos miúdos encavacados e dos peluches que diziam i love you em grandes corações vermelhos. Eu sei que é uma pirosada. Mas é a minha pirosada, que está guardada no armário e me lembra dos amigos de outrora. Das vezes que eu corava, dos risinhos estridentes e de como me sentia a rainha da escola, com um saco cheio de bilhetinhos, canecas e ursos, ao final do dia. E as cartas? Mesmo aquelas que não chegaram com a efeméride. É assim que eu as guardo dentro de mim: como pequenas partes do Dia dos Namorados. A maioria perdi. Foi fora, junto com os bichos do papel que inundam os sótãos. Gosto do dia, não porque goste mais dele, porque não discuta, não bata o pé ou de repente viva num mundo encantado. Gosto porque gosto e pronto. É fofinho. E eu sei que fofinho não é um termo muito adulto. Mas miminhos, abracinhos e beijinhos também não. E eu também gosto é deles assim, com os diminutivos todos. 

Ontem não podia comentar, mas estava de hotel marcado. Porque uns tempos antes tínhamos lá encontrado família dele, e achámos piada ao sítio. O preço era em conta, e havia a piscina, a sauna, o banho turco... Foi como um chamamento. Passei os dias seguintes no vai-não-vai-reservo-não-reservo. E pouco importava a data. Agradava-me a ideia de sair do trabalho e cinco minutos depois estar numa piscina aquecida. De dormir numa cama gigante que eu não tive de fazer e de poder sair e deixar tudo desarrumado. De voltar à minha vida, e à rotina, como se não tivesse passado as últimas horas em sensação de férias, descanso e abstracção absoluta. Mas faltava pagar as propinas da faculdade, tirar dinheiro para a poupança, levar o carro à revisão. Telemóvel, combustível, ginásio e todas as obrigações, que estão primeiro e que este mês, pareciam calhar todas juntas (como sempre, claro). Ainda por cima, a irmã faz anos (hoje!). Mês planeado, valores já acordados e nem foi tarde nem foi cedo. Segunda-feira o carro saiu da oficina. Terça marquei o hotel. É Dia dos Namorados quinta? Melhor. E pronto, foi assim, tudo muito simples, tudo sem grandes floridos, tudo resultado da cedência a um impulso que conseguiu ser pensado. E lá fomos. Ele não sabia, mas veio agarrado a uma boneca que eu queria (sim, uma boneca). Eu pedi a ajuda da mãe, que foi cumplicie do plano, cumprindo, brilhantemente, a tarefa de enfiar no carro da criatura uns chinelos e um fato de banho, assim como quem não quer a coisa (não podia, simplesmente, dizer-lhe para os trazer). A noite foi tranquila, e o despertar melhor ainda - que pude dormir mais, muito mais do que se tivesse ficado em na minha habitual morada. Coisa que me conduz sempre e, inevitavelmente, à mesma questão:

Mas de que é que eu ainda estou à espera para arranjar uma casinha (inha) em Lisboa?
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