Vantagens de ficar sem carro (not)

Não sou grande fã de transportes públicos. Não me entendam mal, temos uma rede de metro melhor do que a de qualquer país europeu que eu já tenha visitado, os comboios são bons e os autocarros assim-assim. Na prática, estamos bem servidos e a poupança para o ambiente - tinha que vir esta conversa - é imensa. Mas poupar o ambiente gastando (não há outra palavra) uma média de mais 4 horas por dia em deslocações, uma percentagem do salário demasiado elevada - que quando comparada com o carro, não compensa - e alimentando a má disposição e a agitação diária, é coisa que não me apraz. A distância de minha casa ao trabalho não o justifica, porque sendo relativamente curta dentro do meu pequeno Kia, implica três meios de transporte diferentes, se por eles optar. 

É claro que há sempre um dia - sempre - em que nos telefonam da oficina e nos chateiam com qualquer coisa que obriga o carro a ir fazer-lhes uma visita inesperada. Parece que foi detetado defeito na série deste, obrigando-o a uma verificação, sob pena de perder a garantia se tal não fosse assinalado. E lá foi o branquinho para o médico, deixando-me apeada na margem sul. Pois que só hoje de manhã, consegui perder todos os comboios e metros de que me aproximei. Foi vê-los passar que era uma maravilha, com mochila do ginásio, computador, roupa e mala de mulher às costas, ombros, pés e quantos mais membros houvesse. Lá entrei no grandalhão da Fertagus para me sentar no primeiro espaço livre. Duas paragens à frente, meia a dormir, meia a rogar pragas à oficina, ouço entrar um senhor, com voz de quem vai pedir (daquelas roucas que ouvimos no metro e que começam com um tenha a bondade de me auxiliar). Eis que, para minha surpresa, e de todos os outros passageiros, o homem começou a estender-nos os dedos, para um aperto de mão, enquanto nos desejava um bom dia e um resto de boa semana. Quando parou na minha, recitou-me a quadra de um qualquer poema que me lembro de um dia ter ouvido, sorrindo e demorando-se nos votos para uma vida feliz. Ainda o ouvi às adivinhas a uma criança à frente: como se chama o animal que tem os pés na cabeça? O piolho! ou "x" escreve-se com c-h?

Foi bonito. E foi uma lufada de ar fresco, daquelas que nunca teria entrado pelas janelas do meu carro. 
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