Carta aberta


Há muitas coisas que eu gostava de te conseguir explicar de outra forma. Bem sei que não sou de feitio fácil e que nem sempre a minha cabeça parece fazer sentido. Tenho tantas pontas soltas e arestas por limar que, supondo que é normal e que toda a gente sofre do mesmo, dou por mim a pensar em quantos de nós viverão tempo suficiente para unir todos os cacos e construir linhas direitas. Preocupa-me que nunca vás perceber o que penso ou compreender o que realmente sinto. Dou por mim de volta dos botões, perdida em pensamentos que me aconselham a recuar, a respirar fundo e a assumir que, fale a língua que falar, vou sempre dizê-lo em chinês. Queria um meio perfeito, que o início passou ao tempo, e o fim deixa de ser altura para cá estar a ver. E pois que sei que a perfeição não existe, não me azucrinem o juízo com a conversa, porque a impossibilidade não é suficiente para reduzir o desejo. Para ser franca, incomoda-me o sentimento de mediocridade que assumimos perante quase tudo na vida. Dos que não dão aos que não podem ser de outra forma, passando pelos habitua-te e conforma-te desta existência, vê-se um pouco de tudo e, sem sabermos bem como, acabamos envolvidos em círculos que o vivem. É grave. Porque é que a perfeição não existe? E se não existe porque falamos dela? Não é como se fosse uma entidade divina que não vemos mas que há quem diga estar por cá. É só um conceito, um ideal comparativo para o qual somos formatados. Mas o gelado é perfeito, o vestido é perfeito, o fim-de-tarde é perfeito, o fato assentou perfeitamente, e ela esteve perfeita a representar. E a perfeição não existe.

Sei que me perco entre o que te digo. Caramba, mas digo-te sempre o mesmo. Não estará já na altura? É tempo de começarmos a ouvir. Quando é que passámos só a querer falar? Faço-o desde sempre, não consigo apontar um começo. Falo porque nunca falaste, porque me enerva o silêncio de quem deixou de querer saber o que responder. É feitio, meu e teu, e de todos nós. O mundo anda às turras. De há um tempo para cá, decidiu-se que o único espectro possível de vida seria o oposto ao da perfeição, daquela que de tanto não existir deixou de ser. É nisso que acreditas? Que só podemos estar numa ou noutra ponta? Não te vou falar dos diferentes tons de cinzento, também é argumento que descarto. As minhas decisões não vêm em palete de cores. Há bom e mau, e isto, seja lá o que for, bom não é.

Há coisas que eu gostava mesmo de te conseguir dizer, mas existem demasiadas palavras. Já pensaste em ser simples quando sentes tudo ao mesmo tempo? O sangue quente e a cara vermelha. Os olhos a querer fechar e o cansaço da mesma história. A lágrima, que já nem sabes dizer se é fria ou porque cai. A garganta seca e o arrepio nos braços. Esperança e desilusão.Não percebo porque assusta a estrutura frásica que não segue sujeito, verbo e complemento directo. Ainda é assim que se chamam? Não sei ser simples, nunca fui. Por isso não me peças para dizer "o meu problema é...", porque eu nunca irei encontrar só um.
© POST-IT AMARELO 2014 | TODOS OS DIREIROS RESERVADOS

PARA MAIS INFORMAÇÕES:
♥ dopostit@gmail.com
♥ https://www.facebook.com/postit.amarelo
imagem-logo