É tudo uma questão de números [e eu até sou mulher das letras]

                                                                                                        "The Vampire Diaries"

Existem 7 mil milhões de pessoas em todo o mundo. Uma parte significativa, ali quase a rondar os 11%, anda pela Europa, feliz da vida, a ver se abre falência e perde o euro, assim como quem não quer a coisa. Portugal, pequeno mas de nariz torcido,  aponta para os 10 milhões e pouco e tal. E se reduzirmos a coisa a Lisboa - que é bem verdade que eu gosto do Porto e suspiro pelo Algarve, mas sou de região saloia e senhora de trabalho na capital - rondamos os 545 245 habitantes. Já nem vou às cidades, bairros e grupos de amigos (repensa a tua conta de Facebook e dá-te espaço para te sentires pequenino: o mundo é bem maior do que uma rede de 300 desconhecidos). Poderia fazê-lo. Neste ponto, contudo, não serviria de muito explicar que as 10/20 pessoas com quem mais nos damos, aquelas com quem nos cruzamos no trabalho, nas festas de anos, em reencontros familiares ou com as ex-turmas da faculdade, são pontinhos, pontinhos apenas. Na prática, somos nós na nossa vida, rodeados de meia dúzia de pontos pingados, mais ou menos tortos, mais ou menos saturados. E no meio disso tudo, no meio de tanto número e prova racional, enchemos a boca para dizer que ele, ela, o cão, gato ou o periquito eram a nossa alma gémea. A nossa única, exclusiva e última oportunidade.

Ora deixemos lá os números e atentemos nas palavras: é "a" alma - uma, portanto. Gémea, todavia; o que me parece absolutamente delicioso, sobretudo se pensarmos que "igual" é o conceito que quase ninguém procura na pessoa com quem quer passar o resto da sua vida. Mas vá, uma abébia - vou fingir que suponho que o "gémea" é no sentido de quem completa, como os irmãos que sentem e pressentem o que o outro precisa. Por fim, a "alma" (há lá coisa mais bonita), essa ideia fascinante da nossa substância pensante, falante e que sente como algo que nos transcende, corporalmente falando, claro. Assim mais ou menos como um fantasma - deixo-os de parte por uma questão de simplicidade de contas. Mas voltemos ao que interessa, porque eu tenho uma teoria e, embora não pareça, estou aqui a tentar provar qualquer coisa.

Partindo do princípio que alguém assume ter encontrado a sua alma gémea, e que a danada da alma um dia descobre que não é gémea, mas trigémea, e parte para outra, ou que se revela mais metafórica do que seria de esperar, sem conteúdo ou o que aprofundar; ou ainda que de alma tinha tudo, mas que gémea nem vê-la, qual é realmente o grande drama? Voltem lá ao primeiro parágrafo e pensem em quantas almas gémeas não andarão por aí espalhadas só para vocês. Mesmo que ele/ela sejam perfeitos, aquilo que sempre quiseram numa relação, a lotaria pintada de cor-de-rosa com purpurinas; mesmo que assim seja, apenas podemos gabar-nos de saber que tivemos a sorte de encontrar uma das nossas almas aqui tão por perto, em Lisboa, Portugal, Europa. Imaginem só quanto não teriam que percorrer para encontrar todas as outras, todas aquelas entre os 7 mil milhões de pardais que já somos por todo o mundo. E é isso que tento explicar a quem sai de uma relação com um coração aos pedaços: há mais lá fora. Não aquela treta de conversa do "há muito peixe no mar", que homens e mulheres não se pescam para deitar num prato. O Homem ama, ou aprende a amar, conforme o caso. E pelo caminho, se for bem sucedido, aprende a aprender, a crescer, a viver e a levantar-se. A sério: como seria possível existir apenas uma pessoa para cada um de nós em todo o mundo - todo o mundo! - e ser exactamente aquela que era amiga-do-amigo-do-vizinho-do-colega-da-faculdade-que-se-cruzou-connosco-na-mercearia-do-senhor-que-era-amigo-do-pai-porque-o-tio-fez-o-casamento-da-avó? E se pensarmos na quantidade de vezes que nem é assim tão difícil, na quantidade de vezes que é alguém que sempre esteve por perto, então mais encurtamos o círculo e contrariamos os milhões de probabilidades existentes de estarmos errados.

Eis o que eu acho: deve existir, pelo menos, um alma gémea por distrito; isto, claro, se nos restringirmos a território nacional. E não me interpretem mal: não acho que se deva desvalorizar qualquer uma delas por sabermos que há por aí outra, apenas acreditar que existem, porque é essa a lógica. Em teoria, todas elas terão a mesma capacidade para nos fazer felizes, para nos colocar um sorriso no rosto, fazer querer sonhar ou construir uma vida a dois. Não há rainha das almas gémeas e, quanto a isso, podemos ficar descansados. O que eu acredito piamente que exista são fases: fases nossas, fases em que estamos, fases em que nos entregamos, fases em que crescemos ou em que desaprendemos, fases em que nos queremos encontrar ou em que nos queremos perder, fases para sermos quem somos ou para sermos para os outros, fases para sermos felizes e fases para acharmos que ainda nos falta tudo. Temos nós e têm elas, as alminhas deste mundo. E a única coisa que de realmente mágico acontece nesta matemática é descobrirmos a nossa alma gémea numa fase em que a queiramos encontrar, e em que a mesma coincida com a fase em que ela quer ser encontrada. No fundo, é tudo uma questão de sintonia e isso, isso sim é o verdadeiro cabo dos trabalhos.

É por isso que te digo M, como digo a quem mo pergunte na mesma situação, que a fase pode bem já ter sido de sintonia. Que a perfeição já esteve por lá porque, afinal de contas, foram duas almas gémeas que tiveram o privilégio de se encontrar. Mas quando as coisas mudam, e basta apenas mudar para um dos lados, a fase deixa de ser a mesma e o encaixe de funcionar. Aí, das duas uma: ou se trabalha a sintonia, que exige esforço, vontade e sentimento em doses industriais, ou se assume que para se continuar era preciso ouvir a mesma canção, quando as batidas já há muito que são diferentes. 
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