Tiny tiny step... | Do amor ao ódio


Há dias em que me lembro muito daquela história dos telhados de vidro e das pedras que não devem ser atiradas, que é como quem diz que temos tantos ou mais defeitos do que aqueles que nos rodeiam. Negá-lo é mais do que um erro, é uma ilusão imperfeita que nos faz viver de nariz empinado, exactamente como o daquele e daquela de que tanto desgostamos. É por isso que, nem sempre, mas sempre que faço o exercício mental de parar e pensar, tento dar o benefício da dúvida ao outro lado. Confesso que raramente o faço antes de um período de profunda irritação. (Vêem como reconheço defeito? Não sou o caso perdido que pensei). Um dia serei daquelas pessoas que sabemos altruístas, ponderadas e racionais num grau superior ao do comum dos mortais. Para já, deixo o sangue ferver no corpo com frequência, e nem é coisa que me incomode particularmente. Mas se a temperatura esfria, se eu me dou ao trabalho e ao respeito por outra pessoa, então...bem, então o mínimo que posso esperar é que ela faça [pelo menos] o mesmo. Especialmente quando [sei] acho que tenho razão - o que acontece com mais frequência ainda.

A questão é que ir com a mão à boca do leão só pode ser uma de duas: ou se é muito estúpido ou se é demasiado bom - o que, na sociedade em que vivemos, cada vez mais é visto como uma mesma coisa. E se se é estúpido, bem, habituem-se porque não há rigorosamente nada a fazer. Mas se, por outro lado, se vai pela via da bondade, corremos o risco de ser confundidos com ingénuos perdidos e em vias de extinção. É aquela história que no fim frustra porque se percebe que há à volta mais leões que mãos, e acabamos mais revoltados que bons, mais endiabrados que para anjos. É um welcome to darkside imediato que todos aqueles dos corações sinceros já experimentaram.

Somos sempre o oposto do que não somos, e só assim sabemos agir em conformidade com o que sentimos, só assim tendo vivido o inverso. É que, reparem: posso dizer que não volto a deixar a mão roçar-lhe nos dentes, posso guardar as marcas da boca do bicho na minha pele, mas sei que vou ser sempre a pessoa que tenta confiar no leão, aconteça o que acontecer. Não significa que não se aprenda, apenas que se aprende a fazê-lo de outras formas. Nem sequer que se seja estúpido sem saber, porque estúpido que é estúpido não sente a revolta da desilusão, não liga ao ódio de quem ama e não tem como voltar a pôr a mão, porque nunca a recupera.
© POST-IT AMARELO 2014 | TODOS OS DIREIROS RESERVADOS

PARA MAIS INFORMAÇÕES:
♥ dopostit@gmail.com
♥ https://www.facebook.com/postit.amarelo
imagem-logo