a ilusão perfeita do que não se sabe


Não posso dizer que não acredite em relações à distância, seria hipócrita da minha parte. O meu mais duradouro romance viveu-se a 385 quilómetros. É certo que começou na adolescência, com os dramas e desastres a que tem direito. Com um coração de miúda, daqueles que sentia a 200%. Não tenho a certeza que esse aspecto tenha alguma vez mudado. Foram três anos (?) de idas, vindas, separações e reuniões. No fim, não sabia como lhe dizer que tinha acabado. Havia demasiado de nós na minha vida, na vida dele, demasiado dos dois nos anos em que nos vimos crescer e mudar, tomar decisões que afectariam o nosso rumo futuro. Era difícil olhar para a frente sem ouvir a voz dele todas as noites, sem marcar os dias no calendário que faltavam para nos voltarmos a ver. Era rotina simples, mas era a nossa rotina e era assim que a minha vida fazia sentido, com todos esses pequenos passos e momentos a que me habituara. Percebi, muito antes de o ter admitido, que era só isso que restava daquele grande primeiro amor. E custou-me horrores abandoná-la, mais do que a ele, com quem ainda hoje falo, por quem ainda hoje tenho um grande carinho. Queria muito poder dizer que acabámos porque estávamos longe e já não sabíamos lidar com isso. Não foi o que se passou, deixei apenas de sentir o que sentia. É claro que nunca vou saber se as coisas se teriam desenvolvido de outra forma se estivéssemos juntos, tal como um casal que se vê todos os dias não sabe como poderia ter sido a sua relação se tivessem passado um tempo separados.

Aprendi (ou habituei-me, nunca saberei realmente) a estar sozinha, a fazer a minha vida e a ser independente. A gerir o meu tempo, a estar com os meus amigos e a conjugar a relação no meio disso tudo. Não poderia ter sido de outra forma, dada a distância física. Todavia, descobri que só assim poderia ter resultado, com ele ou com qualquer outro. Preciso do meu espaço e dos meus momentos, preciso mais de mim, quase sempre. Talvez por isso, quando precise de alguém não o saiba dizer. Baralho-me e deixo sair frase confusa, uma atrás da outra. Discuto, grito e sofro como se não houvesse amanhã. Porque no fundo eu sei, tenho plena consciência de que não gosto de estar sem ninguém. Juntos, mas dois e nunca um. Ainda com o meu mundo, e respeitando o seu, porém, com ele numa esfera maior.

Acontece que, ao longo dos tempos e muito pelos 385km, aprendi também que levar uma vida a nível individual, mesmo quando se está numa relação, tem de obedecer a um estado de equilíbrio puro que exige sobretudo muito trabalho e muita vontade de fazer resultar. Hoje são menos 300 e estamos para lá dos vinte anos, vidas diferentes e fora dos muros protectores do liceu. Na realidade, tudo teria para ser mais fácil: carro, carta e trabalho inclusive. Mas não é, e não me parece que alguma vez vá passar a ser, não enquanto estivermos longe. E queria muito dizer novamente que é por causa disso mesmo, da distância que sendo pouca é enorme. Mas não posso, porque há somente problema no trabalho e na vontade que se habituaram a não chegar, alternando entre o que eu faço e o que ele faz, e entre tudo aquilo que deixámos de fazer. Não porque não se goste, não porque não se queira, mas porque, ao fim de quase dois anos, continuamos a viver vidas separadas. Queria muito poder dizer que estamos longe e já não sabemos lidar com isso. Mas é exactamente o contrário: sabemos mais do que devíamos.
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