A razão que perde vida para quem não frequenta a sala de voto

                                                              How I Met Your Mother


Há algumas coisas que me têm feito comichão.

Por exemplo, tem-me arrepiado o preço dos combustíveis, os fatos de Carnaval que custam mais do que um bom par de calças da Salsa e as pessoas que vão para os jornais escrever que há coitadinhos em muito pior estado do que o meu. Isto, claro, assumindo que sou uma coitadinha, porque é assim que todos nós, pobres jovens, nos vemos. Pior: apregoamo-lo como se não houvesse amanhã. Que cambada de egocêntricos! E notem que disse "egocêntricos" e não "parvos", que lá fazermo-nos vítimas porque não nos dão o que queremos quando batemos com o pé, bem, isso é uma coisa; agora tentarmos passar por incapazes, isso é que não. Falta-nos força, saúde...inteligência? Então mas não temos boca, olhos e nariz? Pudémos estudar, ainda por cima! Caramba, é preciso ter muita lata para acharmos que estamos mal. É como se não olhássemos para todos aqueles que se ficaram pelo nono ano e que ganham muito, mas muito pior do que nós. Desconsiderar todas as pessoas que não investiram milhares de euros em anos, e anos, e anos de educação, pós-educação e dedicação, até parece coisa de pessoa mal-formada, e não foi assim que os meus pais me ensinaram.

Pois que eu já ganhei mais a trabalhar num hipermercado do que na minha área de formação. Se eu acho que quem por lá está, está melhor do que eu? Se foi o que desejaram para a vida? Se optaram por não estudar, ao invés de não o poderem ter feito? Provavelmente não, mas esta discussão nem sequer deveria ser sobre comparações: esse foi o primeiro erro de toda esta história. Ninguém desmente as reformas miseráveis, as ruas da amargura por onde andam os que, de repente, se vêm sem emprego aos 40 anos, ou o que sofreu e lutou aquela geração que longe estava de poder ter as mesmas oportunidades e acesso ao ensino que agora são possíveis. Não há pretensões para se achar melhor, pior, mais ou menos infeliz ou injustiçado. Todavia, até hoje ninguém me conseguiu explicar o porquê desta atracção irremediável pela constante confrontação de realidades. Seria quase como dizer que o azeite se considera mais importante do que a água, porque consegue ficar sempre por cima; quando o que, na verdade, deveríamos estar a ver, era que nem sequer são as mesmas substâncias e, por isso mesmo, não se misturam.

É claro que eu posso sair à rua, ser atropelada, partir uma perna e ir parar ao hospital. Apanhar uma intoxicação alimentar com a comida, escorregar a tentar ir à casa-de-banho, porque ando desajeitada só com um membro inferior, e partir o braço, quando o cotovelo bate na sanita. E depois venho para casa, deprimida e desconsolada pelo tempo de isolamento e imobilização que tenho pela frente. Fico rabugenta, começo a discutir com todos e acabo por levar com os patins do namorado. Passo os dias a dormir e a comer: sei que quando estiver recuperada a minha perna vai continuar a negar-se a mexer, dado o novo e acrescido peso que passa a ter que suportar. Perco as aulas, sou substituída no trabalho e quando volto integram-me numa nova equipa, de que eu nem sequer gosto. Não posso voltar a usar saltos altos porque me custa à brava e a perna nunca fica realmente curada. Nem o braço, que ainda por cima é o direito. Torno-me uma chata, impossível de aturar. Com todas as despesas extra, a conta-poupança não só mirra como desaparece e, agora sim, vou ficar para sempre em casa dos pais. Começo a beber, aqui e ali. Quando dou por ela, o meu pequeno-almoço são cereais com vodka. Acabo, inevitavelmente, numa clínica de recuperação, onde encontro o filho do homem que me atropelou há 10 anos atrás. E, isso, claro, só acontece para me sentir completamente ****** com a minha vida, porque descubro que o senhor morreu e deixou dois filhos e uma mulher grávida para trás. E a culpa do acidente nem sequer foi dele: um colega de trabalho vingativo, depois de ter perdido a promoção para o indivíduo em causa, cortou-lhe o cabo dos travões.

Sim, a vida está sempre pior para alguém ao nosso lado. É por isso que nunca devemos cantar, escrever, falar, discutir ou manifestar o nosso descontentamento. Não sem lembrar o "Ultramar", ou que "a crise não foi criada para nos tramar" - acredito piamente ser este o pensamento da maioria dos jovens da actualidade. Poderia contar-vos uma ou duas histórias, três, quatro ou cinco que se calhar fariam quem está de fora sentir as coisas de maneira diferente. Porque isto é, sobretudo, uma questão de sentimento: daí que tantos se tenham identificado com um refrão que chama de parvos a quem, de facto, se tem sentido assim. Não porque o seja, mas porque se pensa que só se o pode ser. Chama-se ironia, minha gente; daquelas que provoca o riso de quem reconhece a situação e, quase sempre, o disparate de quem só a acompanha pelas estatísticas e telejornais. Não me interpretem mal: ainda bem que os há! Eu, que até hoje não tinha conseguido perceber a associação fácil entre os recibos verdes/ contratos a termo e a sua criação "específica para me escravizar", fico feliz por alguém se ter dado ao trabalho de o fazer e à lata de o comunicar.

É importante que venham estes olhar externos lembrar à juventude deste país que não vale a pena continuar com o papel de vítima, especialmente quando se queixa sentada do sofá da mãe. É lá vida insistir num trabalho na área de formação a que nos dedicámos! Os centros comerciais estão cheios de papéis nas montras a pedir novos colaboradores. E lá fora? Lá fora é que é: aventuremo-nos pelos mares e descubramos novos continentes. Exijamos mudança, mas antes, interessemo-nos por ela. E o que dizer de mim se até concordar com alguns destes aspectos? Sou uma vira-casacas, do lado dos lobos, ou continuarei a assumir-me como a jovem dos vintes da "Geração à Rasca"? Pois que não me apetecer fazer escolhas extremistas, de direitas e esquerdas estou eu farta. Disso e destas conversas que exageram ambos os lados, que não querem compreender senão o seu umbigo, e que acabam, invariavelmente por se espalhar ao comprido. No meio está a virtude, e eu faço-lhe companhia. Sendo que continuo a ter vintes e a saber como é fazê-lo por cá. E não é por isso que venho para um espaço público escrever que coitadinhos são os que não pensam, não sabem, não investigam e não sentem na pele,  antes de abrir a boca. Ups, afinal já o fiz.
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