Nem uma, quanto mais duas!

Há uns tempos atrás fui passar um mês inteirinho a Itália, no âmbito de um curso da língua. Foi, provavelmente, uma das melhores experiências da minha vida. Porém, o que cedo se transformou num "nem-quero-acreditar-que-já-é-hora-de-ir-para-casa" começou como um autêntico pesadelo. Saí de Portugal pronta para a aventura, com a segurança de uma cara conhecida ao meu lado, amiga e colega de curso. Tirávamos fotos por tudo e por nada e ainda hoje a minha máquina guarda os nossos pés, no aeroporto de Madrid, onde esperámos pelo voo para Roma que chegou com mais de duas horas de atraso. Enquanto aguardávamos, sentámo-nos e observámos malas que caíram dos carrinhos que as transportavam para os aviões, e que ninguém foi apanhar. Sentimos as horas passar e o receio de não chegarmos a tempo ao nosso destino, gradualmente. Tínhamos um transfer à nossa espera no aeroporto, já negociado a muito custo, dado que iríamos ser as únicas pessoas a chegar ao fim da tarde. Sim, é verdade, Brasil, Inglaterra, Polónia, Costa Rica, e tantos outros quantos possam imaginar, aterraram bem antes de Portugal e limitaram-se a ficar de castigo, à nossa espera, porque a demora prevista não seria grande. A questão é que nestas coisas não podemos fiar-nos no previsto.

Os nossos estômagos, aos quais já não dávamos atenção desde o pequeno-almoço em Lisboa, começavam a queixar-se. Não tínhamos gostado de nada em Espanha e nem sequer nos tinha passado pela cabeça que tivessemos de esperar tanto tempo até voltarmos a ver comida. No avião pagámos - bastante por sinal - por um pacote de ruffles dos pequenos que dividimos com uma rapidez inexplicável. Ingénuas e sem grandes preocupações só pensávamos: "Bem, azar o deles se já tiverem partido. É da maneira que temos tempo para jantar sem que ninguém nos pressione".

E pronto, lá acabámos por aterrar, tarde e a más horas. Houve uma altura em que pensámos que íamos ser felizes. Bastava-nos adormecer no autocarro, durante 4 horas, para acordar na aldeia da escola. É claro que nada é assim tão fácil e a minha mala decidiu não aparecer. As pessoas, que tinham esperado por nós mais do que deviam, decidiram não continuar a fazê-lo. Os funcionários, que nos poderiam esclarecer, evaporaram-se; e os restaurantes, para matarmos a fome, pura e simplesmente não existiam. Encontrámos a mala, uma hora mais tarde, espalhada e abandonada noutra ponta do aeroporto.

Resultado: era quase meia-noite quando nos apercebemos de que não tínhamos onde dormir. Pensámos em pernoitar no aeroporto, o que acabou por não se revelar uma opção, já que se encontrava praticamente deserto. Sim, estava aberto, mas tudo o que nele existia estava fechado, e bem fechado. Assim que um segurança insistiu para nos dar boleia e nos levar para uma pousada que conhecia lindamente achámos por bem fugir dali para fora. Os hotéis atendiam as nossas chamadas com vozes automáticas que nos pediam para telefonar no dia seguinte. Desistimos. Quase. Vimos uma mulher entrar num elevador e, quando percebemos que não só era portuguesa como que estava de volta a Portugal, desejámos ardentemente caber nas suas malas e acabar com a aventura que não tinha começado. Não foi preciso. Uma alminha mais inteligente lembrou-se de nos dizer que afinal existia um hotel tão, mas tão perto que havia ligação até por dentro do aeroporto. Esqueceram-se foi de nos dizer que era um Hilton. Àquela hora nem quisemos saber e pagámos por um conforto de que mal usufruímos. Cheguei à recepção, com os 18 anos acabados de fazer, e quase em bicos de pés pedi um quarto. O senhor - giro que só visto - perguntou-me pelos meus pais e lá saquei eu do B.I, como já estou habituada a fazer. Estava incluído o pequeno-almoço que tomámos às seis da manhã, logo antes de termos apanhado os dois comboios que nos levaram à aldeia que os italianos da cidade não conheciam. Lembro-me que perdemos um deles, o segundo, embora tenhamos chegado à estação com uma hora de antecedência. O problema é que as máquinas não vendiam bilhetes para o nosso destino (como para muitos outros) e só havia uma senhora a atender todas as pessoas que precisavam de comprar o ticket. Saibam que se tivéssemos perdido também este só poderíamos tentar de novo no dia seguinte.

Sobre a viagem e as suas peripécias muito mais haveria a contar, mas é conversa para outra altura. O que eu hoje descobri, e que me fez viajar nas memórias até esse dia, foram estes miminhos (ver fotos  em baixo) que embora me façam lembrar caixões - ainda que modernos - me levantam algumas dúvidas. Por exemplo: se estiver uma pessoa na fila para dormir, logo a seguir à que está lá dentro, os lençóis são trocados? E se o trinco se avariar, ouvem-nos cá de fora? E as camas? Em cima e em baixo é suposto ficarem desconhecidos? Se um deles ressonar há livro de reclamações?


O que é certo é que se houvesse disto em Roma, já há uns anos atrás, eu não teria hesitado em saltar lá para dentro. Nem pensava duas vezes.
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