Grão a grão enche a galinha o papo



Ainda ontem andava eu pelos corredores de um hipermercado, a tossir, a espirrar e basicamente a contaminar toda a gente em meu redor, quando ouço uma conversa realmente infeliz entre duas mulheres. Dizia uma delas que achava “uma palhaçada todas as campanhas de solidariedade que envolviam telefonemas”. Não passavam, na sua opinião, de “um gasto de dinheiro desnecessário”. Comentava que "não era através do telefone que se ajudava alguém, isso era só para as operadoras lucrarem”. A outra, ainda que claramente mais hesitante, acabou por apoiar a ideia da amiga. Revirei os olhos e meti-me pelo corredor dos iogurtes. Porém, fiquei a pensar naquilo.

Basta ligar a televisão de madrugada para ver os programas da noite repletos de pessoas que ligam sem parar, na esperança, quase sempre vã, de ganhar um jackpot. Mas lá estão elas, noite após noite; as apresentadoras até já sabem os nomes de algunas de cor. Nem é preciso ir tão longe: os “Quem Quer Ganha” da tarde primam por um público tão ou mais desejoso de gastar grande parte do ordenado/reforma/subsídio de desemprego numa conta telefónica exorbitante. Até as rádios e os seus programas matinais lucram com a ansiedade e com o desejo de se conseguir ganhar. Não tenho nada contra, pelo contrário. É o mesmo princípio que nos leva a preencher boletins de totoloto, totobola e euromilhões: acreditar que podemos ter sorte. E numa conjuntura económica cada vez mais difícil, a sorte é cada vez mais almejada.


Mas então e a sorte dos outros? Aquela que pode depender, um bocadinho, de nós? A desgraça é alheia até chegar ao sítio onde vivemos. Ainda há pouco tempo se falava do Haiti e de repente é a catástrofe na Madeira que enche os jornais. E quando for em Lisboa? Ou no Porto? Ou aí, onde vives? É fácil distanciarmo-nos das tragédias de terceiros. É até, muitas vezes, um mecanismo de defesa, uma forma de nos continuarmos a agarrar ao que está certo e ainda corre bem à nossa volta. É um não pensar que, a curto prazo, parece ser eficaz. Mas se fosse aqui, e se fosse comigo, ia preferir que telefonassem para as linhas de apoio do que para os concursos da televisão. É marcar um número, deixar chamar e já está. Nem precisamos de nos mexer.

É claro que se o quisermos fazer há uma excelente campanha a ser desenvolvida pelos CTT, desde ontem, que tratam do envio GRATUITO de mantimentos necessários para a Madeira, como se pode ver aqui.

E nas ATM? Basta escolhermos a opção “Transferências” seguida de “Ser Solidário”, escolher a instituição que queremos ajudar, o valor que queremos transferir (tudo ajuda) e está feito. Simples. A nós pouco custa e eles agradecem. É tão fácil gastarmos 5€ num café, numa ida ao cinema, e tão difícil transferi-los para quem mais precisa porquê? A ajuda não é só em tempo de tragédias. É, por outra, mais ou menos como o Natal: quando um homem quiser.

*Fiquem as senhoras das compras sabendo que esta coisa dos telefonemas até está a resultar.
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Linha de ajuda para a Madeira: 760 100 999. Cada chamada é um contributo de 50 cêntimos. Uma iniciativa conjunta das rádios da Media Capital: Rádio Comercial, Cidade Fm, M80, Best Rock, Romântica, Rádio Clube e também Cotonete. Cada chamada custa 60 cêntimos + IVA (a diferença de custos é para as operadoras).
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