Diz que é moda



Usar leggins e botins, lenços ao pescoço ou uns ténis da Merrel são coisas da moda. É de hoje e não de ontem e um dia passa. Mais ou menos como dizer que o Natal é só consumo; alguém sugeriu e os outros seguem, porque é fixe. Talvez não seja de hoje e venha de ontem, mas acredito que passe. Ou o que passou foi o deslumbramento.

Não sou religiosa. A época natalícia poderia não me dizer absolutamente nada. Não é o caso. Nasci num país com uma tradição cristã que está presente não só nas festas como também na arte, nos monumentos, na literatura, e em tantos outros aspectos do nosso quotidiano que nem sempre damos conta. Mesmo na nossa linguagem e expressões populares, como "valha me Deus" ou "calor infernal" (há muitas, muitas outras), evocamos a religião. Faz parte da nossa cultura, mais até do que das nossas crenças, existentes ou não. Ora, se não é preciso ser praticante para dizer "Oh my god" qual é o critério que muda para se poder celebrar uma data tão enraizada no nosso povo que é inclusive feriado? Nada, pelo menos para mim.

Não monto o presépio, mas faço a árvore. Gosto de ver os Pais Natais espalhados pela cidade e as luzes que piscam, brilham e encantam. Adoro as músicas de Natal de melodias alegres e bem dispostas, mesmo que as letras sejam tristes. Gosto das rabanadas e das mil receitas de bacalhau; da confusão, da casa cheia, da família que põe a conversa em dia sem se importar com a sala pequena. Gosto de ver os embrulhos debaixo da árvore, de esperar pela meia-noite que tantas vezes chegou mais cedo.

O meu Natal começa logo no fim de Novembro, quando a cidade acende as luzes e já se ouvem as pessoas a falar do que oferecer; quando começam as campanhas de solidariedade - ou pelo menos se lhes presta atenção. Sim, já sei, estou acostumada a ouvir nesta e noutras esquinas: "Ai, só se preocupam no Natal". Às vezes tenho vontade de responder: antes nesta época do que em época nenhuma. Não concordo que seja preciso um feriado para nos lembrar de como é importante ajudar, para pensar nos outros. Mas se deve ser condenado por isso? Claro que não. Sabemos que há pelo menos um momento, um dia, uma altura, ao longo de todo um ano em que vamos prestar mais atenção ao Banco Alimentar, vamos doar roupa e brinquedos, vamos lembrar-nos de quem não tem casa para passar a ceia com a família; de quem não tem família. Que venham muitos natais!

"Ai mas no Natal é só comprar, é só consumo desenfreado, os centros comerciais andam cheios, credo que horror!". Ou algo como: "Parece que tenho que dar prendas por obrigação." Eu, alheia a todas estas coisas que me parecem estranhas, como se viesse de outro planeta qualquer, em que as pessoas gostam de oferecer presentes, opto por este último caminho. Gostava de poder dizer que faço coisas personalizadas para dar aos que mais gosto, mas os genes dos meus pais não me dotaram de grande jeito para os trabalhos manuais. Gostava de ter uma poupança rechonchuda para esta altura. Nunca acontece. Um dia, porém, não muito distante, hei-de estar a ganhar o suficiente para deslumbrar todos os que gosto com a minha vocação para escolher prendas. Até lá, o meu círculo restrito, restritinho de ofertas - pais, irmãos e namorado, recebe toda a minha dedicação na escolha perfeita para aquela pessoa em concreto. Não faz sentido dar por dar, dar porque tem de ser, dar sem o querer fazer. Eu divirto-me imenso durante todo o Dezembro, em lojas que, ao contrário do mito urbano, estão praticamente vazias aos fins de tarde, durante os dias de semana. E passeio pela baixa de cachecol ao pescoço. Vejo, volto a ver, penso em casa e volto a pensar. Compro, quase na recta final, mas feliz pelas escolhas. Gosto do ritual e de saber que os presenteados também vão gostar. Tudo isso para mim é Natal.

Também sei que nem sempre o tempo disponível é muito, sobretudo quando as pessoas a quem dar são mais, quando há os politicamente correctos "se ofereci a x tenho que dar a y"; enfim, não vou contra-argumentar. Porque no final oferecemos sobretudo àqueles a que mais queremos bem e nem sempre é preciso muito para os deixar com um sorriso na cara.

E claro, gosto de receber prendas, todos gostamos, admitamos ou não. Às vezes são algo tão simples como aquele livro que queremos mesmo ler ou umas pantufas que estamos mesmo a precisar. E mesmo para pouco, os tempos estão difíceis e a crise aperta, não vivo no mundo da Leopoldina e sei dessas coisas. O Natal acaba por sair caro sim, mas não é só consumo. É muito mais do que isso.
© POST-IT AMARELO 2014 | TODOS OS DIREIROS RESERVADOS

PARA MAIS INFORMAÇÕES:
♥ dopostit@gmail.com
♥ https://www.facebook.com/postit.amarelo
imagem-logo