Ainda posso falar do Dia dos Namorados?


Bem sei que passou uma semana, mas o meu calendário não tem funcionado ao mesmo ritmo que o das restantes pessoas. Para dizer a verdade, ainda me parece ser o segundo dia do ano. Voltei agora do Estoril e estou prestes a ir almoçar a casa da minha madrinha, embora sejam cinco da tarde. Ainda estou nesse dia, e nem sei bem como sair. As semanas, contudo, insistem em passar e Março já aí espreita sem que eu tenha dado pelos dois primeiros meses. (Março, com o acordo ortográfico, que eu fiquei de implementar por aqui, perde o direito a maiúscula). 

O ano passado fiz uma birra por não ter programado o Carnaval a tempo. Este ano, só hoje me apercebi, de facto, do que estava a acontecer à minha volta. Podia culpar a tese, mas é a ideia de a ter de fazer que mais tempo me ocupa. Muito mais do que, realmente, fazê-la. Procrastino durante o dia e acordo a meio da noite, assustada e ansiosa porque tenho coisas em atraso. Mas isso é conversa para outra altura, que o que aqui me trouxe foi Valentim e as nossas pessoas. Mais as nossas pessoas do que ele. 

Talvez por andar ausente e numa daquelas fases em que vemos a vida passar, em vez de passarmos por ela, consigo espreitar, de fora, e reparar, mais do que normalmente, na quantidade de vezes que nos queixamos. E não quero com isto dar razão a senhor primeiro-ministro, essa figura de saber e clareza indiscutíveis. Mas somos uns queixinhas. Pior, somos resmungões, deprimidos, desconfiados e constantemente descontentes. Não sabemos sorrir sem pensar que não há motivos para o fazer, que o país está em crise, que a vida está difícil ou que o dinheiro falta na carteira. Pois que assim seja, que continuemos a maldizer tudo e todos, que nos firmemos como críticos sem soluções e que não saibamos ser felizes. Portugal parece-me, todos os dias, um bocadinho mais cinzento, e nem é do tempo. Se é Natal, é porque o Natal perdeu todo o seu propósito e é uma festa comercial. Se é Passagem de Ano, é porque não há razão para que se celebre um começo que ocorre a cada 12 meses. O Dia dos Namorados existe para que se vendam cartões cor-de-rosa e o Carnaval, nem me deveria atrever a mencionar essa festa disparatada e sem qualquer razão de ser. E é claro que eu, fã de todas elas, olho para o que escrevo e reflicto sobre o quão louca deverei ser. Cor-de-rosa sou eu, caramba; é lá normal ver o lado positivo de uma celebração! 

Parece impossível, mas passei o dia 14 a ler críticas destrutivas e rancorosos sobre o mesmo. Esse é o tipo de discurso mais comum, ocorre em 90% dos casos. Os restantes vivem de uma segunda versão, complacente e preocupada com o bem-estar dos casais comuns, a do eu-compreendo-que-haja-pessoas-que-precisam-de-uma-data-para-serem-românticas-porque-nem-todos-podem-ser-como-nós. Não sou  fanática pelo Dia dos Namorados. Não ando doida à procura de uma prenda, nem acendo todas as velas que tenho em casa. Não me encharco em chocolates em forma de coração, nem em quaisquer outros, para ser sincera. Tenho, todavia, um grande carinho pela data, não porque precise dela para ser feliz, mas porque o seu assinalar no calendário me parece ser uma das mais bonitas ideias de todo o sempre. Estou tão cansada da conversa do "é Natal todos os dias" ou do "sou sempre tão espectacular com o/a meu/minha namorado/a" que nem sequer o consigo exprimir sem fazer caretas e me contorcer no sofá. Mas quem - expliquem-me devagar e como seu eu fosse uma criança - quem é que meteu na cabeça que tudo o que é data comemorativa existe única e exclusivamente para que os seus propósitos sejam celebrados só e nesse dia? Quem é que espalhou essa ideia triste e limitativa que nos faz olhar para os dias como se de um complô dos mercados se tratasse? E nem que assim o fosse: porque é que não conseguimos, simplesmente, aceitar que a existência de datas específicas que honrem ideias felizes ou situações heróicas e sonhadoras (como a de Valentim) possam ser uma coisa positiva? Quem é que no Dia da Criança vem discutir que não precisamos do 1 de Junho para saber que existem crianças, porque elas assim o são durante o resto dos dias do ano? Não costumo ouvir disso com tanta frequência.

O Dia dos Namorados passou e o seu encanto também. E a razão é muito simples: o português não se quer deixar encantar. Não sonha, não vive, não abre os braços de manhã para mais um dia ou sorri para o sol. Para quê? É muito melhor queixar-se dos restaurantes que estão cheios ou dos floristas que lucram. E qual é o grande problema? Pois que o fazem todos os dias, casais perfeitos e imaculados: mas poderão dizê-lo que quando o fazem sabem que os outros casais que estão à vossa volta se juntam com o mesmo objectivo de celebração da força do sentimento que os une? Quantas vezes poderão olhar para o lado e perceber que os pares que vos rodeiam deixaram de parte o cansaço do trabalho e fizeram questão de sair porque o que têm importa? Não que precisemos de fazer algo assim, eu não faço. Mas faço muita questão de estar com ele, de olhar para ele e de saber que estamos juntos e bem em mais um dia de São Valentim. Porque, correndo o risco de tornar este último parágrafo ainda mais piroso, embora não precisemos que nada nos lembre do que temos - somos todos invencíveis e muito bons - talvez precisemos de uma data que nos faça pensar, em conjunto, em grandes gestos, grandes paixões e grandes momentos de romance. É que a vida é feita de pormenores, mas, às vezes, todos precisamos de ser maiores. 
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