Lamento, mas não gosto. Para saber quão trágico é o mundo, leio um jornal.

                                                                                                               Angelina Jolie

Aqui há uns tempos, fui seleccionada para ir a um casting de um anúncio para a Coca-Cola. Um dia conto por aqui a experiência, mas posso desde já deixar claro que depois de ter passado uma tarde inteira perdida por Lisboa, quando finalmente encontrei o local, já de noite, vivi alguns dos momentos mais estranhos da minha vida. É claro que não deu em nada. Mas isto tudo para dizer que, por essa altura, e para que soubesse mais ou menos ao que ia, recebi um vislumbre de qual seria a próxima campanha publicitária da marca. Adorei, logo desde a primeira espreitadela. Lembro-me de pensar que para se ser criativo não é preciso ser-se espectacular, mas antes ser-se atento. A ocasião faz o ladrão, e a crise um grande anúncio. Não sendo ele um exclusivo português, mas uma adaptação do que já se vê por Espanha, Brasil e EUA, é absolutamente bem-disposto, e encaixa, na perfeição, na onda de esperança que deveria começar a nascer, um pouco por aqui. Pelo menos, assim o senti. 

Irrita-me ligeiramente que seja preciso estarmos na situação lamentável em que estamos para aparecer alguém (seja ou não por trás de uma marca) a dizer-nos que temos algo de positivo. É, todavia, mais ou menos como a história da responsabilidade social, de que ontem ouvia falar num seminário: a hipocrisia maior é condenar as empresas que o fazem só para terem mediatização, ou fingir não compreender, desde logo, que o objectivo principal de uma organização terá sempre que ser o seu lucro? Como pensar um negócio sem uma troca favorável  para as duas partes? Se condenássemos toda a política de responsabilidade social que é feita com "segundas intenções", por parte de uma empresa, que responsabilidade social sobraria? É um bocado assim, esta coisa das lembranças positivas quando já não temos para onde nos virar. Pois que irrita, mas que continua a ser preferível à sua inexistência. Porque isso é coisa para me tirar do sério. É a critica, a mesquinhez, a avareza e o maldizer do vizinho. É disso o dia todo, um pouco por todo o país. E custa-me muito acreditar que é assim o povo a que digo pertencer, porque nunca me senti da mesma forma. Porque andamos todos zangados com a vida, cada vez mais egoístas e desconfiados do mundo. Olhamos para dentro de casa e esquecemo-nos de que pertencemos a mais do que quatro paredes, que somos produto de uma aldeia global que cabe numa esfera, pequena e insignificante, num universo que se julga infinito. Estou a dispersar?

Quando vi o anúncio na televisão, pela primeira vez,  não pude deixar de esboçar um sorriso. Está lá muito bem que seja propaganda, que apareça alguém com uma garrafa no fim e que de publicidade não se gosta, porque é coisa feia e manipuladora. Mas, caramba, eu gostei mesmo! Uma coisa era saber da história e das imagens, outra era ouvi-las com aquela música que nos enche de alegria e pensamentos positivos. Fiquei contente, mesmo sendo preciso estarmos em crise (financeira e de valores) para sermos lembrados das cores que não deixam o mundo permanecer negro. E achei, sinceramente, que mais dia, menos dia, o cantarolar seria constante, e o burburinho, em torno da coisa, também. Oxalá inspirasse alguém a acreditar numa vida melhor! Bem sei que sou menina e que é uma visão demasiado romântica, mas não há nada a fazer comigo. Qual não foi o meu espanto ao perceber que sim, que realmente inspirou alguém. Infelizmente, o português de hoje é cada vez mais especializado e talentoso na arte do espezinhar, e como no que se faz bem não se mexe, temos mais do mesmo a toda a hora. 

Não tiro o mérito aos autores, estão ali coisas a que eu até poderia ter achado graça. O problema foi estarmos no fim/ início de um ano, foi ter ficado satisfeita com a versão original, foi ter achado que era preciso mais daquele espírito e que já chegava do resto. Aqui, os criativos também souberam aproveitar o momento, e foram brilhantes. Só tenho pena que o sejamos sempre com o mesmo tipo de discurso. É como se nos sentíssemos bem assim, a ter algo de terrível a acontecer à nossa volta para podermos contestar, criticar e repetir à vontade que tudo é miserável. Não que não seja verdade. Não que não se queira um povo com voz, garra e espírito de mudança. Não que esteja aqui a apelar a ursinhos cor-de-rosa e a potes de ouro no fim do arco-íris, só porque são mais bonitos do que o resto. Parece-me, contudo, que estamos a ficar tão habituados a este tipo de atitude que já não conseguimos ver, ouvir, ler ou desfrutar de uma mensagem positiva, seja ela qual for. E bandido seja o diabrete que a emite! Quer vir para aqui tapar-nos os olhos com balões e músicas engraçadas. Era só o que faltava! Vamos lá logo pegar no que é demasiado feliz e criar versões realistas.


                                                                                                                   Vídeo original



                                                                                                Versão 1



                                                                                                           Versão 2
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