A culpa não é minha, é da claustrofobia

                                                                                                  Anne Hathaway

Não me importo de ficar fechada num elevador onde só há espaço para mim e, nos dias mais modestos, para o meu ego. Horas e horas e horas. Não é coisa que me pareça fazer confusão, então se tiver comigo um livro - o costume - o tempo passa sem que eu dê conta. Viajo no porta-bagagens com a maior das tranquilidades, e o meu único dilema são as curvas apertadas que me fazem balançar. Em pequena, escondi-me entre o guarda-fato e parede durante mais de uma hora. Acham que me incomodou? Nem por isso.

O que me faz comichão, confusão e alergia, aquilo que verdadeiramente me dá voltas ao estômago e me faz sentir os nervos à flor da pele, são contratos de fidelização com entidades que não conheço de lado nenhum. Pois que eu ainda agora mudei de ginásio, ainda agora me comecei a habituar a uma nova realidade e a implementar novas rotinas, e logo me espetam com um casamento de um ano, sem anel ou pedido de noivado. E eu gostava tanto do meu namoro anterior, ali pertinho do Parque das Nações, com piscina e espreguiçadeiras para aproveitar o verão, antes de passar à sala das máquinas. Ainda estava a recuperar da separação quando decidi conhecer um outro, mais perto do novo trabalho e com lugar sempre vago à porta. Lá terá que ser, pensei. Entrei para me inscrever e logo me deixei deslumbrar pelas instalações atractivas e a simpatia dos colaboradores. Sou uma vendida. Bastou oferecerem-me o mês de Abril para correr a agarrar na caneta e assinar os primeiros papéis. Asneira, claro.

Comecei a perceber no que me metia quando me pediram o NIB. Essa é outra: arrasto para a relação o pobre do banco que nada tem a ver com isto. Eu fico obrigada a um período de fidelização de doze meses?, quis saber. Sim, exactamente! Mas não se preocupe, tem quinze dias à experiência e pode sempre mudar de ideias. Vim mais descansadita para casa, ciente de que nada estava perdido. A máquina multibanco não funcionou, só por causa das coisas, assim como quem emite um sinal para eu não entregar já números compridos a perfeitos estranhos. E pus-me a pensar, a esforçar, a mentalizar e a tentar. A sério que pus. Cherry, este tipo de contratos é normal. Toda a gente os faz! Olha a L., que lá anda. Achas que tem algum problema com isso? Vê se cresces. Assim como assim o mais provável é estares lá um longo período de tempo, mesmo. Quando não puderes, por algum motivo, cancelas. Não querias um ginásio, não sentias falta? Aqui tens, aproveita - É isto desde ontem à noite. É isto o tempo todo. Estavas mal habituada, era o que era. Ginásios bons, baratos e sem mensalidades obrigatórias. Ingénua. A achares que isso alguma vez poderia durar para sempre.

Fui lá treinar às sete da manhã. Mais umas horas e estou de novo lá caída, quando o sol ainda não nasceu. Tenho quinze dias, quinze dias apenas para deixar de ser uma anormal e mentalizar-me a ficar. Mas não me parece, não me parece de maneira nenhuma. Gosto muito da minha vidinha inesperada e das decisões de última hora. Ainda que racionalmente saiba que nada me impede de desistir e de dar baixa no banco assim que quiser, basta-me recordar a minha assinatura num papel que autoriza terceiros a ir buscar dinheiro à minha conta, durante um ano, para ficar cheia de urticária.

Estou aqui estou a perder mais 40 minutos por dia e alguns litros de gasolina por mês para voltar ao grande amor. Aquele que me permite pagar apenas os meses em que vou, porque sabe que, por exemplo no Verão, prefiro correr ao ar livre, nadar na praia ou andar de patins. É tudo muito diferente, ele já me conhece...
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