My Girl, 1991
Nos altifalantes: Lamb - Gabriel A primeira vez que um rapaz de quem eu gostava a sério, como nos filmes e com todas as minhas forças, me declarou o seu amor, fê-lo através de um bilhetinho, com papel amachucado da aula de matemática.
O bilhete rapidamente assumiu contornos de dezenas de cartas apaixonadas que eu carinhosamente guardei, tão bem que nunca mais me lembrei de onde as pus. E como tudo o que fica esquecido cá por casa não é coisa que passe com tranquilidade pela mãe, o mais provável é ter acabado no lixo, por suas mãos e para sua alegria. Nunca mais as vi. Todavia, se fechar os olhos e me permitir viajar por breves momentos, consigo chegar aos instantes em que as recebia. Lembro-me do coração acelerado, dos risinhos e da partilha com as amigas. Lembro-me de me apetecer cantar muito, bem alto e desafinadamente - a única modalidade que pratico com excelência. Só não me lembro de algumas vez lhes ter respondido, de escrever de volta, de dizer qualquer coisa. Era assim aos 9, 10 e 11 anos e pronto. Recebia, lia e sentia-me a pessoa mais importante do mundo por ter um papel cheio de corações. É claro que na primeira oportunidade escrevia onde calhava o meu nome + o dele. Ou um 'love' que deveria ser 'loves', pelo meio. Eram pormenores que realmente não faziam a diferença, até porque eram para mim, e nunca para ele. Ele que não soubesse e que não desconfiasse que era mútuo. Lá de vez em quando que se dissesse um 'também gosto de ti', mas muito de vez em quando. Se lhe desse a mão ele iria saber, e quando lhe telefonasse para casa, mesmo depois de termos passado o dia inteiro juntos na escola, ele iria perceber.
Hoje já ninguém me escreve cartas com corações, mas nada mudou realmente. Continuo a reservar as palavras, que nos tornam vulneráveis, a deixá-las para os outros; tanto quanto a sentir-me a pessoa mais importante do mundo, quando me dizem que gostam de mim.
