Manual para caloteiros - Parte I

                                 Kate Walsh em Private Practice

Há dias em que não devemos sair da cama.

Se os ouvidos nos doem e a garganta está tão áspera que achamos não ser possível falar; se nos sentimos cansados mesmo depois de quatro dias de férias; se o quarto começa às voltas quando nos pomos de pé; bem, se todos os "ses" se cumprem é um bom indicador para que percebamos que estamos perante um desses dias. A tendência é sempre para piorar. Hoje acordei assim, sem o abraço ao qual já estava habituada; sem o pão quente que ele ia buscar enquanto eu ficava na preguiça. Hoje acordei e devia ter percebido que ainda não estava preparada para abrir os olhos e enfrentar o dia. Às vezes, e só às vezes, uma segunda-feira não é só uma segunda-feira; é a pior das segundas-feiras. E é claro que o desenrolar do espectáculo a que fui assistindo ao longo das horas desta segunda poderia ter acontecido a uma terça, a uma quarta ou mesmo a uma quinta, mas não teria o mesmo impacto, nem seria tão dramático como quando acontece a uma segunda; a uma segunda que ainda não estamos prontos para viver. O que eu não sabia, o que eu ainda não poderia adivinhar quando deixei a luz do dia entrar pela janela, era que nesta segunda-feira em particular o mundo iria estar a funcionar ao contrário.

Sempre ouvi falar das queixas das pessoas bonitas - quanto mais dotadas forem mais se acham amaldiçoadas por as abordarem frequentemente com base na sua aparência e lhes oferecerem uma vida de coisas grátis e favores fáceis. É claro que compreendo as pobres coitadas - obviamente, é um dom de que partilho e sei como é difícil viver assim. Horrível, para dizer a verdade. Não que alguma vez tenha passado pelas situações que costumam descrever, o que é, com toda a certeza, um lapso do universo; porém, simpatizo com a causa.

Mais giro ainda que tudo isto são as maldições dos que têm um bom cabelo, dos que nascem com muito dinheiro, dos que são famosos, dos que aspiram ser, dos que têm talento; dos que são inteligentes, competentes e bons no que fazem. O mundo está feito para os prejudicar. É um ultraje.

Faz quem sabe e quem não sabe e quem faz bem fica a fazer. Fica quem vale e quem não vale e quem não vale menos faz. Depressa e bem há quem; e existindo deve preservar-se. Para sempre, porque é raro. Beneficie-se quem não sabe, quem não faz, quem não teve tempo de saber, nem de fazer. É assim, para que os outros não desconfiem. Fechemos quem bem faz numa caixa para durar mais tempo; que se atire com sal para melhor conservar. O importante é manter entre palas quem não é burro, antes que disso se aperceba. E se pelo meio se pratica uma ou outra injustiça, se pelo caminho se passa por cima de um ou de outro; se a solução é o remendo e não a roupa nova, que assim seja. Assim se lucra, assim se cresce. E é também assim que custa aprender.

Sou jovem, imprudente e idealista. Deixem-me. Sou jovem, imprudente e idealista demais para deixar de o ser, para medir os meus passos, palavras, olhares e movimentos; para comprometer os meus valores e aquilo em que acredito. Deixem-me. Deixem-me vir para a janela gritar, deixem-me levar as mãos à cabeça, deixem-me quieta e perplexa, mas deixem-me. Porque um dia, um dia também eu vos deixo, para gritar, levar as mãos à cabeça e ficar quieta e perplexa com as mudanças positivas que irão ocorrer na minha vida. Um dia eu deixo de pensar no que é fixo, agarro numa mala e procuro aquele mundo que eu conhecia, aquele em que as coisas não eram ao contrário e no qual eu ganhava barbies quando merecia. E eu sabia merecer, sempre soube, sempre quis saber. O que nunca aprendi foi a ser feita de parva. Nem a ver quem está à minha volta passar pelo mesmo.
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