Sou o mais velho dos três porquinhos



Não creio ser capaz de viver sozinha. Estou demasiado habituada a uma família barulhenta, a gritos, música e a dois irmãos que tão depressa parecem ter nascido para se matarem um ao outro, como para se unirem e azucrinarem a cabeça de todos cá por casa. Já não sei deitar-me sem ter que me chatear para que se calem e eu possa dormir. Não conheço dessas vidas tranquilas, sem sons; e começo a achar que não iria gostar.

Fico sozinha uma vez por outra, umas tardes, umas noites, uns dias. Não morro, mas não gosto. Aliás, detesto. Sinto que o tempo cresce e que nunca mais passa e vejo-me obrigada a preenchê-lo com tudo e mais alguma coisa; como se parar fosse ficar num enorme e desconfortável vazio. E custa-me deitar, custa-me fechar os olhos quando já tudo está escuro, quando não vejo as luzes dos candeeiros ao fundo, quando sei que não está cá ninguém para as ligar.

É claro que ter uma imaginação extremamente fértil não é, de todo, uma ajuda. Ora são ladrões, ora acidentes iminentes. Vejo de tudo, fantasio com tudo e acredito em tudo. Pior: quanto mais penso, mais acho ser possível que aconteça. Ainda por cima, não foi há muito tempo que estive numa loja aqui perto, na qual se comentava a vaga de assaltos que de há uns dois anos para cá assolou a minha rua. A minha rua, a minha rua pacata; a mesma rua onde eu vivo há anos, a rua onde eu durmo com as chaves do lado de fora da porta, de todas as vezes que o meu pai delas se esquece. Uma rua em que vivem mais três tias, três tios, duas primas e vizinhos que me conhecem desde sempre. A rua em que eu nunca dei por assalto nenhum. Ainda assim, detesto. As portas vivem trancadas e as janelas fechadas de tal maneira que até custam a abrir. Se tiver distraída, a coisa passa e até se faz bem. Mas se paro, por um segundo que seja, para tomar consciência de que está tudo bem, logo penso: "bem demais...poderia acontecer isto, e aquilo". Sou como que uma hipocondríaca; tirem as doenças e preencham com o caos iminente.

Quero ter a minha própria casa, cada vez mais. O meu espaço, com os meus pratos, os meus talheres, as minhas toalhas, colchas e sofás. O meu sítio. Mas sei também que não sou pessoa que aprecie o isolamento, ou a solidão. Tenho os meus momentos, como todos; só não sinto grande necessidade de os prolongar. Vejo-me bem mais a viver com uma amiga ou, quem sabe, num futuro mais distante, com um alguém especial. Sozinha? Dificilmente. Iria enfiar gente lá em casa todos os dias, nem que fosse para ver um filme acompanhada. É que às vezes não é uma questão de quantidade. Às vezes, na maioria delas até, basta que se ouça som, daquele que não sai da televisão. A ausência, a mim, custa à brava; seja de voz, gente ou até de luz (excepto, claro, quando quero dormir).

Há pessoas que nasceram para ser assim, e outras para ser assado. Não há nada a fazer. Se viveria sozinha? Claro. Se iria apreciar? Provavelmente não. Há muito mais entre o ser-se independente e o não se querer bater as asas para sair do ninho do que se imagina. Quero sair - ainda que o meu pai tenha uma ameaça de enfarte sempre que se toque no assunto - mas vou fazê-lo com muitas certezas e, sobretudo, com alguma segurança. É que sair para voltar não faz parte dos meus dicionários.

Sou o mais velho dos três porquinhos e estou habituada a ter os outros dois por perto. E aos pais porquinhos, também. Para já, vivemos todos juntos, na casa de tijolo.
© POST-IT AMARELO 2014 | TODOS OS DIREIROS RESERVADOS

PARA MAIS INFORMAÇÕES:
♥ dopostit@gmail.com
♥ https://www.facebook.com/postit.amarelo
imagem-logo